Bolsonaro se encontra com Moraes pela primeira vez e réus da trama golpista começam a ser interrogados. STF inicia fase mais tensa do processo. – Análise política sem filtros
Neste domingo, o Brasil assistiu a um daqueles momentos que entram para a história — mesmo que os seus desdobramentos ainda estejam longe de terminar. Depois de meses de expectativa, suspeitas, trocas de acusações e um clima de tensão quase permanente, o ex-presidente Jair Bolsonaro se encontrou pela primeira vez com o ministro Alexandre de Moraes, relator das investigações que apuram a suposta tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito.
A reunião aconteceu de forma reservada, com forte esquema de segurança, mas o seu significado extrapola qualquer gesto simbólico. Foi o primeiro contato direto entre as duas figuras que personificam polos opostos do atual cenário político e jurídico brasileiro: de um lado, o líder de uma parcela significativa da direita, acuado por investigações que podem comprometer seu futuro político; do outro, o ministro do Supremo Tribunal Federal que se tornou o rosto do combate às ameaças institucionais nos últimos anos.
Um gesto de força ou de estratégia?
O encontro foi interpretado de diversas formas. Para os aliados de Bolsonaro, foi uma demonstração de disposição para colaborar com a Justiça. Uma forma de se desvincular da imagem de “foragido político” ou “líder de uma conspiração”. Já para os críticos, o gesto soa como parte de uma estratégia para desarmar o clima antes do início dos interrogatórios dos principais réus envolvidos na trama golpista, que começam esta segunda-feira (9 de junho).
Fontes ligadas ao Supremo indicam que a conversa não foi amigável, mas foi civilizada. Moraes teria sido direto ao reafirmar o papel do Judiciário como garantidor da ordem institucional, enquanto Bolsonaro teria repetido a tese de que nunca incentivou atos de ruptura e que sua postura, mesmo em momentos críticos, foi a de “respeitar os limites da Constituição”.
A realidade, no entanto, mostra um cenário bem mais complexo.
O cerco se fecha
As investigações conduzidas pela Polícia Federal e pelo STF já reúnem provas documentais, escutas telefónicas, trocas de mensagens e relatos de envolvidos que apontam para uma articulação coordenada com o objetivo de deslegitimar o resultado das eleições presidenciais de 2022 — vencidas por Luiz Inácio Lula da Silva.
Dentre os elementos apurados, destacam-se os supostos planos para desacreditar o sistema eleitoral, pressionar comandantes militares, instigar manifestações antidemocráticas e até mesmo elaborar decretos para intervenção federal. O nome de Bolsonaro aparece, direta ou indiretamente, em diversas dessas frentes.
No total, são mais de 30 investigados na operação, incluindo ex-ministros, militares da ativa e da reserva, ex-assessores e empresários financiadores de atos considerados subversivos.
Interrogatórios começam amanhã
A partir desta segunda-feira, o Supremo Tribunal Federal dará início a uma nova fase do processo: os interrogatórios formais dos réus. Essa etapa será conduzida com base no material reunido até aqui e terá impacto direto na decisão final sobre as possíveis condenações.
A expectativa é que figuras centrais como Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, e outros nomes ligados ao núcleo duro do ex-presidente prestem depoimentos cruciais. Parte deles já firmou acordos de colaboração premiada ou manifestou intenção de cooperar com a Justiça, o que pode agravar a situação de Bolsonaro, caso haja delações que o coloquem como liderança ativa da suposta tentativa de golpe.
E o futuro de Bolsonaro?
Para além do desgaste político — que é evidente —, o ex-presidente enfrenta o risco real de ser tornado inelegível de forma definitiva e até mesmo de responder por crimes que envolvem a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, incitação à desobediência institucional e associação criminosa.
Bolsonaro tem evitado confrontos diretos com o Supremo nos últimos meses. Após a sua derrota nas eleições, deixou o país temporariamente e, desde o regresso, adotou um discurso mais brando, ainda que continue fazendo acenos ao seu eleitorado mais radical.
Internamente, no entanto, o cerco jurídico e político se adensa. Parte dos seus aliados já começa a tomar distância, ensaiando novas lideranças à direita. Figuras como Tarcísio de Freitas e Michelle Bolsonaro ganham espaço enquanto o ex-presidente parece cada vez mais isolado.
Um julgamento do país, não só de um homem
Mais do que uma investigação sobre um ex-chefe de Estado, o que se desenha nos próximos meses é um julgamento simbólico do Brasil recente. As feridas abertas pelas eleições de 2022, os ataques ao STF, a invasão das sedes dos Três Poderes em janeiro de 2023 e os discursos de ódio que se espalharam pelo país tornaram o ambiente institucional frágil e carregado.
Moraes, ao se manter firme na condução das investigações, se tornou uma figura controversa. Aplaudido por uns como defensor da democracia, acusado por outros de extrapolar os limites do cargo. Mas, goste-se ou não da postura do ministro, é inegável que ele se tornou um dos principais protagonistas da história recente do país.
Bolsonaro, por sua vez, continua a jogar suas fichas com inteligência. Sabe que a opinião pública pode ser um trunfo — e que seus apoiadores mais fiéis ainda o enxergam como vítima de um sistema que deseja eliminá-lo do jogo político.
O que esperar agora?
Nos próximos dias, os holofotes estarão sobre os depoimentos, possíveis contradições e novas revelações. O país deve assistir a uma nova onda de tensões entre instituições, protestos organizados por ambas as frentes e, possivelmente, uma escalada retórica por parte de políticos e influenciadores.
Mas uma coisa é certa: o encontro entre Bolsonaro e Moraes não foi apenas um momento histórico. Foi o prenúncio de um embate ainda mais profundo. E o desfecho pode reescrever o capítulo mais turbulento da democracia brasileira desde a redemocratização.