Habitação colaborativa: um novo modelo para envelhecer com dignidade em Portugal
Em tempos de envelhecimento acelerado, Portugal começa a dar sinais de mudança. Está em curso a construção de 60 casas de habitação colaborativa, com conclusão prevista até 2026. Trata-se de um projeto-piloto promovido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que pretende introduzir um novo modelo de vida para a terceira idade: viver com autonomia, mas sem solidão.
Este conceito, já bem enraizado em países do Norte da Europa, assenta na ideia de partilhar espaços comuns entre vizinhos — como salas de estar, cozinhas ou jardins — enquanto se mantém a independência em habitações individuais. Não é um lar de idosos, nem uma residência assistida. É, acima de tudo, uma comunidade escolhida e construída por quem a habita.
Envelhecer em silêncio
Portugal é um dos países mais envelhecidos da Europa. De acordo com os dados mais recentes, mais de 800 mil pessoas com mais de 65 anos vivem sozinhas. Muitas, em isolamento. Outras, em instituições sem qualquer ligação afetiva com os restantes utentes.
O problema é estrutural, mas os seus efeitos são profundamente humanos. A solidão está hoje reconhecida como um fator de risco grave para a saúde. Agrava a depressão, acelera o declínio cognitivo e tem impacto direto na esperança média de vida.
Não basta construir lares. É preciso repensar a forma como envelhecemos. E é aqui que entra a proposta da habitação colaborativa.
Autonomia com proximidade
A diferença está no detalhe: quem vive nestes espaços partilha uma visão de comunidade, participa nas decisões e estabelece laços. São habitações privadas, com espaços comuns, pensadas para promover o convívio, a entreajuda e a coesão social.
O modelo permite:
- Manter a independência, com possibilidade de apoio quando necessário.
- Reduzir custos através da partilha de recursos.
- Combater o isolamento, sem recorrer a soluções institucionais.
- Fomentar o envelhecimento ativo, com redes de suporte informal.
Não se trata de uma utopia nem de um luxo. Trata-se, simplesmente, de oferecer uma alternativa digna a quem já contribuiu uma vida inteira para o país.

Um projeto com ambição, mas ainda isolado
Apesar da relevância da iniciativa, ela continua a ser exceção. Os projetos existentes são ainda poucos, dispersos e fortemente dependentes da vontade de instituições particulares ou associações locais.
Lisboa, Braga, Coimbra e Cascais são alguns dos locais onde se começa a experimentar o modelo. Mas falta ainda uma estratégia nacional. Faltam incentivos públicos, legislação clara e, acima de tudo, vontade política para tratar o envelhecimento como prioridade real — e não apenas como tema de campanha.
A urgência de um novo paradigma
A sociedade portuguesa continua a tratar o envelhecimento como um problema a resolver mais tarde. Mas o tempo já não joga a nosso favor.
A habitação colaborativa é mais do que uma resposta arquitetónica. É uma proposta cultural, social e política para colocar as pessoas no centro das decisões. Para dar aos mais velhos não apenas um teto, mas um lugar no mundo.
Se queremos envelhecer melhor, temos de começar agora. E este projeto pode — e deve — ser o primeiro de muitos.